O mundo não é o bastante

"A experiência ensina-nos a desconfiar de tudo, e muito especialmente de nós próprios." (Condessa Dash)

Jaime Bon, o agente secreto friburguense, encontrava-se exilado por escolha própria em Rio das Ostras, após a ousada fuga da clínica psiquiátrica. O governo municipal mobilizou todos os seus recursos e os melhores profissionais em busca de sua captura, estreitando, por vezes, laços com cidades vizinhas, trocando informações valiosas sobre a localização de desertores por dados que pudessem ajudar a rastrear o cavaleiro errante do Morro Queimado. A estratégia funcionou.

O injustiçado Jaime Bon percebeu o movimento próximo a um quiosque da Praia do Centro, enquanto se recuperava de um caixote ao tentar pegar um jacaré. O sol do meio-dia era abrasante, e a água estava morna, com algumas correntes mais frias que acariciavam suas canelas. Abriu caminho entre os demais banhistas — um grupo composto principalmente por crianças e adolescentes, alguns casais jovens e poucos idosos. Ultrapassada a barreira das ondas, sacudiu os cabelos e assoou o nariz, caminhando com dificuldade pela areia, desviando do lixo deixado por frequentadores menos educados. Chegou à rampa na calçada e se dirigiu ao quiosque, inclinando-se no balcão.

— Ora, se não é meu amigo Félix Leite, da CIA. — disse Bon, ao se aproximar do homem que o observava na praia, atrás de óculos escuros.

— Shh… o que pensa que está fazendo? — alertou o outro, franzindo o cenho e olhando ao redor. Bon aproveitou a distração para fazer o pedido ao balconista: "Ei, uma caipirinha com vodca para mim: mexida, não batida. E mais uma cerveja para o meu amigo aqui...".

— Estou entregando nossos disfarces. Você demorou para me encontrar, hein? Está deixando a desejar. — respondeu ele, virando-se de costas para o quiosque e cruzando os braços enquanto observava o movimento na rua da orla. Havia um carro parado na esquina de uma rua transversal, com dois homens dentro. Na calçada, uma mulher de bicicleta fingia fazer uma ligação no celular; no extremo oposto, um senhor parava um carrinho de picolés numa posição estratégica.

— Estão todos te procurando, Bon. Era apenas uma questão de tempo. — explicou Leite, enxugando o suor da testa com o dedo esticado. Naquele dia, a temperatura na capital praiana de Nova Friburgo superava os quarenta graus.

— Não temos muito tempo. — afirmou Bon, quando as bebidas chegaram. Agradeceu ao balconista com um aceno de cabeça e levantou o copo na direção do amigo para um brinde.

— Sobre o que está falando? — perguntou Leite, curioso, enquanto retribuía o cumprimento: "Às velhas amizades!", disse ele, antes de molhar os bigodes no colarinho da cerveja.

— Em primeiro lugar, você também acha que estou louco? — perguntou, com certo tom de indiferença na voz, enquanto observava o movimento das pessoas na praia.

— Claro que não, meu amigo. Estou preocupado com você. — respondeu Leite, colocando a mão em seu ombro, para tranquilizá-lo e mantê-lo onde queria.

— É tudo uma mentira, Leite. Uma grande mentira! Por isso me internaram, porque sabem que eu descobri tudo. Tenho recortes de jornais; eles se comunicam por meio deles, usando códigos alfanuméricos complexos que consegui decifrar e, assim, traduzir as mensagens...

— O que você descobriu, afinal? — indagou ele, e, absorto nas extravagantes respostas do amigo, não percebeu o intenso fluxo de pessoas que se aglomerava perto do quiosque.

— A verdade sobre tudo. Sobre Getúlio Vargas, Tancredo Neves, Juscelino Kubitschek, Jango, Ulisses Guimarães… todos eles. Você sabe do que estou falando. — respondeu antes de dar outro gole na caipirinha.

— O que está dizendo? — perguntou, cada vez mais confuso, virando o restante da cerveja no copo americano quase de um gole só.

— O que sabemos não é a verdade, meu amigo. Pelo menos, não toda a verdade. — continuou Bon, apoiando a bebida com delicadeza no balcão. Uma gota de suor escorreu pelo vidro, unindo-se à pequena poça de água sob o copo.

— E qual é a verdade?

— A verdade é que estamos sendo manipulados o tempo todo. As eleições seguem um plano previamente estabelecido; os preços dos alimentos, dos combustíveis; a falta de vagas de estacionamento público, as restrições nas escolas e hospitais… tudo faz parte de um projeto muito maior. — enumerou, contando os pontos nos dedos, e prosseguiu. — O aquecimento global, os fenômenos climáticos extremos, o petróleo na foz do Amazonas, os acidentes aéreos, ora! Uma grande farsa! E eu posso provar! Tenho provas!

— Você precisa vir comigo e contar essa história…

— Está maluco? Ninguém vai acreditar em mim. Acha o quê? Que vou contar isso a alguma autoridade e depois aparecer no Fantástico? Nem você acredita em mim.

— Bon, você precisa vir comigo. — insistiu Leite, com firmeza na voz, no momento em que se iniciava uma confusão com uma família que deixava a praia, carregando caixas térmicas, bolsas e guarda-sóis, com direito a discussão entre marido e mulher, intromissão da sogra e pirraça de criança.

— Eu não vou a lugar algum, e sabe muito bem disso. Você e seus homens vão precisar de muito mais para me tirar daqui… — garantiu Bon e atirou o copo de caipirinha na cara de Félix Leite, o experiente – e surpreendido – agente da CIA.

Jaime Bon, o excêntrico e improvável agente secreto friburguense, desapareceu mais uma vez, diante de todos, levando consigo seu charme e suas conspirações de estimação, deixando para trás a conta do quiosque para a CIA pagar. No entanto, ele não é muito diferente da maioria das pessoas, que se escondem atrás de personagens e se prendem a conceitos e ideias absurdas e ultrapassadas, fazendo delas um universo particular. Para eles, o mundo não é o bastante. Nunca é.