Quem poderá me defender?
"A única coisa que temos de respeitar, porque ela nos une, é a língua." (Franz Kafka)
Devo confessar que, ultimamente, minha bateria social está meio descarregada. Culpa da Jéssica. Quem é Jéssica? Sinceramente, eu não tenho o menor interesse em saber. É exatamente isso que eu penso quando recebo a ligações de telemarketing e o atendente eletrônico me pergunta se eu sou a dita cuja. Já bloqueei números, fiz cadastros em programas especializados, mas nada resolveu a persistente perturbação telefônica. Oh, e agora? Quem poderá me defender?
Não sei, vai que cola? De repente, o Chapolin possa ajudar. Quem sabe? Talvez, somente ele possa. Fato é que já miro desconfiado números desconhecidos na tela do celular. Aliás, ninguém usa mais a rede telefônica tradicional e SMS para nada que preste, trata-se de canal exclusivo para propagandas ou cobranças indevidas. Nunca é pra mim, pode acreditar, meu senhor.
A coisa está de um jeito que merecia um código de ética publicado pelo Governo e outro de etiqueta, pela Glória Kalil. Como assim, por quê? Ora, porque se não dá pra confiar na telefonia comum, no aplicativo esmeralda, muito menos. O tupiniquim, definitivamente, não está preparado para esse tipo de coisa.
Senão, vejamos: o problema começa pela ortografia dos textos. As mensagens são abreviadas a ponto de se tornarem quase incompreensíveis. Deus do Céu, qual o tempo economizado pelo camarada que digita "S" em vez de "Sim"? "Ñ" em vez de "Não"? "Pq", "q", "tbm", "qqr"? Não tem cabimento, nem desculpa. Além de ser um entrave comunicacional, é um atentado violento à Língua Portuguesa e isso dispensa maiores explicações ou argumentos.
Além do mais (como se fosse pouco), tem camarada que se comunica apenas por áudio. Se fossem curtos, vá lá, terráqueo, eu suspiro indignado e segue o jogo, mas o sujeito manda áudio de quatro, cinco minutos… isso é quase um programa de rádio, um podcast. Fora isso, o áudio em aplicativos de mensagem é um recurso que devia estar restrito ao diálogo entre pessoas próximas, reste claro, ainda que empresas e instituições substituam gradualmente os meios de contato oficiais por mensagens de áudio. Além de não ser possível ouvir uma mensagem de áudio em qualquer lugar, a comunicação às vezes se perde pela dicção ruim do interlocutor ou por interferências sonoras no momento da gravação.
Viram? A Jéssica, seja lá quem for, é apenas uma personagem coadjuvante, quase uma figuração do problema em lide. De tudo isso, o pior é uma mensagem ser respondida, três, quatro dias depois; este sim é o cúmulo do absurdo, o ápice da falta de educação e respeito. Porque se um primeiro contato foi estabelecido, por que causa, motivo, razão ou circunstância não é possível um retorno, ainda que seja por aquelas miseráveis abreviaturas ou emojis? Depois o cara pálida ainda tem o despautério de se desculpar dizendo-se muito atarefado, blá-blá-blá... mas se noventa por cento dos terráqueos leva o aparelho celular até ao banheiro (para fazer um, dois ou três), o mau educado interlocutor não respondeu: porque não quis; por não ter dado importância suficiente à resposta; ou ainda, por estar pensando na melhor maneira de negar alguma coisa.
Eu estava para concluir a crônica com um parágrafo fenomenal, cheio de aforismos, uma reviravolta impactante, trabalho digno de adaptação para cinema e o escambau (quem sabe indicação de melhor crônica estrangeira), mas o telefone voltou a tocar e ainda não me decidi se atendo. Não consigo pensar direito. E se for algo sério? E se não for? E se estiverem me procurando, de fato? Vou atender. Não, não vou atender. Que saco! Onde está o Chapolin quando se precisa dele?
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