Casos de preconceito religioso aumentam no estado do Rio em 2024, aponta Instituto de Segurança Pública
Levantamento do ISP considera as denúncias feitas de janeiro a setembro do ano passado
Mais de 70 denúncias de preconceito religioso foram registradas nas delegacias do estado do Rio, de janeiro a setembro de 2024. Os dados fazem parte do levantamento do Instituto de Segurança Pública (ISP), divulgado neste 21 de janeiro, Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.
O estudo aponta que 39 registros estão relacionados ao crime de "ultraje ao culto" e 33 a "intolerância religiosa". Em comparação com 2023, houve um aumento de 13 casos. Grande parte das denúncias foram feitas em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio.
De acordo com os números, disponíveis no Painel Discriminação, do portal ISP Conecta, a maioria das vítimas sofreu a violência em suas residências, e o perfil predominante é de mulheres entre 30 e 59 anos. Em relação à cor, 14 pessoas são brancas, 13 pretas ou pardas e seis não têm informação.
Em conscientização à data – que homenageia Mãe Gilda, fundadora do terreiro de candomblé Ilê Axé Abassá de Ogum, em Salvador (BA), vítima de uma série de ataques provocados por seguidores de outra religião – o Supremo Tribunal Federal (STF) também divulgou dados sobre o tema nesta terça-feira, 21.
O STF afirma que a Ouvidoria Nacional do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania recebeu 2.472 denúncias e constatou 3.853 violações à liberdade religiosa no ano passado, em todo o Brasil.
Para a antropóloga e autora do livro "A luta por um modo de vida: enfrentamento ao racismo religioso no Brasil", Rosiane Rodrigues, o cenário atual é de subnotificação e os dados não correspondem à realidade:
De acordo com as minhas pesquisas, para cada caso notificado existem outros dez que jamais chegam ao conhecimento da polícia e da mídia. Temos uma enorme subnotificação porque as vítimas dessas violências não confiam nas instituições estatais para resolverem seus casos. Muitas vezes também porque o próprio Estado perpetua os abusos e nega direitos.
Ela explica ainda que a intolerância no país abrange vários grupos religiosos. O fenômeno ligado ao racismo, no entanto, é o que mais cresce.
Segundo Rosiane, ainda que exista um mal estar com outras religiões, os ataques, as violências e os assassinatos são dirigidos a três comunidades específicas: o povo de terreiro, os ciganos e os indígenas.
O discurso de ódio não tem um único alvo. Ele se baseia nas tradições de matrizes africanas por serem historicamente mais violadas, inclusive pelo estado brasileiro. Mas esse ódio é expandido aos homossexuais, às mulheres trans e cis e às outras tradições minoritárias, como os povos indígenas e ciganos
, aponta a pesquisadora.
Raízes do preconceito
Nesse sentido, a antropóloga explica que a raiz desse problema vem da época colonial e "o modelo supremacista que constitui o estado brasileiro":
Esse modelo está muito ligado a forma como os núcleos minoritários, principalmente os de origem africana, têm um tratamento de desumanidade. Eles passaram os últimos séculos sendo desumanizados na sua essência e características mais pujantes: crenças, modos de vida e sistemas jurídicos e de parentesco.
Em um contexto mais recente, Rosiane descreve o Rio de Janeiro como "precursor de empreendimentos religiosos onde o ódio ao diferente é usado na liturgia".
Dessa forma, a coerção à diversidade é agravada por "uma relação intrínseca entre grupos armados, as facções e milícias, que controlam os territórios das periferias, com as instituições religiosas".
Essas instituições, tanto no plano macro e micro, têm feito o financiamento de campanhas eleitorais, pautas e agenda de costumes, como o projeto de lei que criminaliza os terreiros (...) Temos aí um cenário muito complexo que faz com que caia por terra a ideia de religião e política andam separados
, destaca a especialista.
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